Guerreiros, álcool e adolescentes


As indústrias de tabaco e de bebidas alcoólicas guardam semelhanças em vários aspectos. Primeiramente, ambos os produtos infligem altíssimas conseqüências negativas sobre a saúde da população. O consumo de tabaco ainda é a principal causa de morte potencialmente evitável em seres humanos. Por outro lado, os custos atribuídos ao consumo de bebidas alcoólicas (segundo dados da Organização Mundial de Saúde) no total da saúde pública na América do Sul atingem a espantosa marca de 8% a 15%, enquanto que a taxa mundial é de apenas 4%.Particularmente entre os mais jovens, há uma associação freqüente do consumo nocivo de álcool com violência, acidentes automobilísticos, sexo desprotegido, faltas na escola e trabalho etc. Outra semelhança é a longa história de associação dessas indústrias com esportes, que se tornou especialmente proeminente e integrada nas últimas décadas. A publicidade de bebidas alcoólicas usando elementos do mundo esportivo mantém-se firme. Lawrence Wenner, em estudo bastante conhecido, pergunta: “Como é que o consumo de álcool associado ao esporte não é percebido como uma ironia cultural? Como aconteceu que o fã de esportes passou a sentir a vontade opinando sobre a performance dos atletas com uma cerveja na mão?”. A resposta é que essa associação foi criada e alimentada por questões puramente mercadológicas, com a contribuição de inúmeras estratégias de marketing.A distribuição do consumo de álcool no Brasil é altamente concentrada nos homens (78%) e na faixa etária dos 18 aos 19 anos de idade (40% versus as demais idades). Dessa forma, é de interesse da indústria de bebidas apostar suas principais fichas na publicidade para homens jovens. E onde, melhor que nas transmissões esportivas, pode-se encontrar esse grupo de forma altamente concentrada? A publicidade do álcool ligada aos esportes proporciona também desejável (embora de fato inexistente) relação com um estilo saudável, dinâmico e divertido de vida.Mas outro fator altamente relevante é que eventos esportivos ligados a marcas de bebidas alcoólicas proporcionam a oportunidade de sedimentar a marca de bebida, associando-a com o nome do evento pela menção nos comentários esportivos, comerciais com músicas empolgantes e nos ambientes (como nos estádios, por exemplo). Por essas e outras razões, a maior parte da exposição, não só dos jovens, mas também das crianças e adolescentes, à publicidade de cerveja na TV ocorre nos esportes. De fato, uma pesquisa brasileira recente realizada com apoio da FAPESP encontrou que 87% do merchandising e mais de 70% das propagandas da TV aberta de bebidas alcoólicas estavam nos intervalos ou durante programas esportivos. (...)O uso comercial de nossa seleção por uma marca de cerveja não é liberdade de expressão, mas forma sofisticada de estimular a dependência do álcool desde a mais tenra juventude. Qual símbolo queremos associados ao nosso futebol?

ILANA PINKS TENDÊNCIAS E DEBATES JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO 14/06/2010)

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